Amanhecendo Bêbado
Quando o Celso me convidou para escrever resenhas sobre meus discos preferidos aqui no Dead Man and Lollypops, me senti honrado e instigado a voltar a escrever sobre música, sobretudo acerca das sensações que alguns discos me suscitaram e ainda suscitam. Durante algum tempo eu as escrevia no meu modesto Museu de Tudo, mas a displicência e a indisciplina constantemente me sabotavam por lá.
Assim, pensei que meu primeiro disco aqui deveria ser um disco significativo, desses que mudam nossa vida ou que nos desenterram quando a areia já bate na ponta do queixo. Assim é “Zuma”, assinado por Neil Young & Crazy Horse. E digo que “desenterrar” é um termo bastante provável para este disco de 1975.
Depois de “Harvest”, lançado em 1972 e grande sucesso comercial de Young, alguns eventos desviaram um tanto a trilha que começava a ser desenhada em sua carreira. As mortes recentes de Danny Whiten, guitarrista do Crazy Horse, e de Bruce Berry, roadie e amigo de Neil Young, encaminharam discos obscuros e melancólicos que se afastavam em grande parte do caminho ensaiado por “Harvest”.
Se esse “desvio” desarrumou o tino comercial dos discos do canadense, permitiu a realização de discos essencialmente belos e profundos, como “On The Beach”, de 1974, desprezado pela crítica e público, porém dos trabalhos mais maduros e íntimos de Young, conseqüentemente um de seus melhores e de meus preferidos.
Mas “Zuma” é o que vem ao caso. É esse disco que retira Young da reflexão sombria e permite que a energia seja extravasada. O disco está cheio de guitarras sujas e novas composições de Young. Porém, “Zuma” traz nova peça fundamental para os anos futuros: a guitarra de Frank “Poncho” Sampedro, que passou a substituir o Danny Whiten.
“Zuma” apresenta composições de Young em parceria com o Crazy Horse e a força da guitarra de Poncho Sampedro, um novo traço para o que viria a ser chamado de “grunge” em anos futuros.
Particularmente, acho que as guitarras desse disco são das melhores coisas que ouvi na música dos anos 70 e mesmo de outros tempos. Gosto de ouvir os riffs rasgados de “Barstool Blues” e o movimento hipnótico de “Cortez the Killer”. “Zuma” tem algumas das canções que não poderiam ficar fora de qualquer trilha sonora para cortar um coração, por mais piegas que isso possa parecer: “Pardon my Heart” ainda me emociona, sobretudo com Young entoando timidamente os versos “Pardon my heart/ if I showed that I care/ but I love you more than moments/ we have or have not shared”.
“Through my Sails” é outra dessas músicas inesquecíveis. No disco ela tem o importante papel de contrastar com as guitarras mais arrasadoras oferecendo todo o lirismo vocal de David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash, nomes inevitáveis na obra de Neil Young. “Through my Sails” deve nos levar para além de Zuma, e faz isso indiscutivelmente.
O processo de realização de “Zuma” é cercado de histórias curiosas, como não poderia deixar de ser. As mais importantes dizem respeito aos porres gigantescos de Young e Sampedro à beira da praia, Zuma Beach. Young conta das inúmeras vezes em que acordava mergulhado em papéis cheios de anotações de letra e música, mal recordando as aventuras da noite anterior. Essas anotações viraram este disco, dos meus mais queridos.
Young acordou à beira do mar