quarta-feira, janeiro 18, 2006

Rock Nacional - Parte II


O post sobre o Hojerizah, na semana passada, inicia uma série em que falarei sobre algumas bandas que considero essenciais para o conceito de Rock Brasileiro. Hoje a banda da vez é outra banda carioca, também com seus principais trabalhos lançados em 1987 e 1988, o Picassos Falsos, formado por Humberto Effe (voz e violão), Luís Gustavo Corsi (guitarras, violões e cavaquinho), Zé Henrique (baixo) e Abílio Azambuja (bateria), pioneira na mistura de elementos regionais como samba, soul, afoxé e maracatu ao rock'n'roll tradicional, caminho depois trilhado com brilhantismo pelo movimento mangue-beat comandado por Chico Science e Nação Zumbi e por Mundo Livre S/A, em Recife, Pedro Luís e A Parede, no Rio, e de forma menos brilhante por bandas como o Los Hermanos, também carioca. A estréia em disco do Picassos Falsos foi em 1987, e é deste incrível primeiro álbum, intitulado Picassos Falsos, que saíram os dois grandes momentos da banda, seu maior sucesso Quadrinhos, que fez parte da trilha sonora da série infanto-juvenil da Globo, Armação Ilimitada, e a belíssima Carne e Osso, com referências a Tim Maia e Ismael Silva, um arranjo fenomenal e uma letra brilhante, com passagens inesquecíveis como "Bamba balança, balança suas rédeas, / querem o meu leite e o suor das minhas tetas / Você me encontrou e fechou todas as portas, / bebe do meu leite, do suor das minhas tetas. / O meu coração, o meu coração, preso nessa cela abre as pernas / Da sua paixão / Enquanto feras estão soltas você me tortura, a cada carência / E a cada violento arranhão / Se pensa que isso é paixão, esqueça / Certas coisas não se sentem só no coração / Será que alguém entende o meu amor? /Você deve compreender o meu estranho jeito / De ser demente, escravo do seu corpo /Ou também acha esse o meu maior defeito?". Era um disco que já trazia todos os elementos que marcam o Picassos Falsos: arranjos inventivos, letras bem elaboradas e a busca por uma sonoridade própria, diversa de tudo o que se ouvia no boom dos anos 80. Muito bem recebido pela crítica e com um hit, o Picassos Falsos lança, em 1988, após uma grande enchente que assolou o Rio de Janeiro, seu segundo e melhor trabalho, Supercarioca, um disco que reforça a sonoridade já trilhada no primeiro disco, com o uso de muitos elementos de samba, incluindo uma homenagem a Noel Rosa em Marlene, sem perder a referência básica do rock. Supercarioca é um disco gostoso de ouvir, antes de tudo, mas não um trabalho fácil. As músicas sofisticadas não dispunham de apelo comercial, ficando a sua execução restrita a rádios independentes como a legendária FM Fluminense, e a gravadora (RCA, através do selo Plug) também não se dispôs a trabalhar um disco tão "difícil". Mas, canções como Bolero ("Sinto o mais distante porque o mais distante / É o melhor pra mim / Vejo belas nuvens, tão belas nuvens / Me carregam enfim / A vez que penso é a vez que choro / Por alguém bem mais distante / Que não vejo entre meus lençóis / Estive quase / Quase por lembrar / De um passado quando eu te via / Entre minhas mãos estávamos tão sós"), com sua melodia complexa e Rio de Janeiro ("Um herói surgiu por entre os escombros / Entre ferragens e palmeiras / Um herói surgiu por esses dias / Novos dias, velhos dias / Agora tudo se mistura / Alguém já parece ver / Poucos podem compreender / Alguém já parece ver / Quando ferve o sol desaba a chuva") e Fevereiro ("Enquanto meus olhos estavam perdidos / Brilhantes sem a luz do sol / Algo fervia minha cabeça / Quando nada lembra o carnaval / A verdade tarda mas um dia chega / Derrubando muitas casas / Já que hoje o morro / Não desce mas desaba / No meio da rua / Mostrando da maneira mais sutil / Quem faz o mais belo carnaval do planeta"), com sua aguda crítica social, marcaram de forma indelével esta banda como uma das grandes personagens do rock brasileiro. Basta ver que bandas consagradas pelo público de hoje, como Los Hermanos, fazendo algo que já se fazia, e melhor, diga-se de passagem, 15 anos antes, assumem o papel de renovadores do rock nacional. É preciso ser mais cuidadoso com a história. Se quiser ouvir rock com elementos de samba, numa mesclagem muito bem feita, busque Picassos Falsos, mesmo que se precise recorrer ao seu mais recente álbum, Novo Mundo, lançado em 2005, onde, mesmo sem repetir os grandes momentos do começo de carreira, a banda mostra maturidade para seguir no caminho que a identifica, em um trabalho muito superior aos daqueles que se dizem "inovadores".

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Conheci a primeira empresária do Picassos Falsos. A primeira música deles a fazer sucesso, um funk, é de autoria do Pequinho. Meu irmão mais novo tocou com ele muitas vezes aqui em casa. Os Picassos voltaram, mas acho que sem a mesma pegada de antes.

2:12 PM  
Anonymous Anônimo said...

isso mesmo, Rodrigo, o funk é quadrinhos. concordo que falta pegada no novo cd, as ainda é melhor que muita coisa 'nova' por aí.

saudações

8:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

Valeu a dica Celso, conheço muito pouco dos PICASSOS FALSOS.
Abração. Cão.

9:51 PM  
Anonymous Anônimo said...

Eles e o Black Future faziam uma grande dobradinha - inserir dosagens de antropofagia no rock e mostrar retratos sombrios do Rio nas letras. E "Marlene" é um clássico pra mim ;)
Saudações

1:03 AM  
Anonymous Anônimo said...

Celso, coisa boa poder aprender mais sobre o rock. um grande abraço

5:25 PM  

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