quinta-feira, janeiro 12, 2006

Rock Nacional - Parte I



A explosão do rock nacional ocorrida nos anos 80 já foi motivo de diversos artigos, livros, colunas e debates nos mais diversos meios de comunicação, e eu, amante confesso do rock'n'roll e tendo vivido ativamente essa década, que deu algumas das minhas bandas preferidas, como Echo and The Bunnymen, Jesus and Mary Chain, Sonic Youth, The Smiths, The Cure, The Sisters of Mercy, para citar apenas meia dúzia, resolvi falar um pouco de uma das melhores e menos conhecidas bandas nacionais. O Hojerizah, formado no Rio de Janeiro, em 1983, por Flávio Murrah (guitarra e a maior parte das canções), Toni Platão (vocais), Marcelo Larrosa (baixo) e Álvaro Albuquerque (bateria), inclui-se certamente entre as 5 melhores bandas de rock nacional já surgidas. Várias características faziam a diferença no Hojerizah: a voz lírica de Toni Platão, de cara sobressaía no cenário rock. Quem já ouviu a canção mais conhecida da banda, Pros Que Estão Em Casa, sabe bem do que estou falando; as guitarras de Murrah, com uma sonoridade única, segundo Artur Dapieve (in BRock, O Rock Brasileiro dos Anos 80, Ed. 34, 2000), uma mistura de Jimmy Page e Johnny Marr, e letras que iam desde a inusitada Canção da Torre Mais Alta, de Rimbaud, em tradução de Lêdo Ivo, até canções próprias verdadeiramente brilhantes, entre as quais podemos lembrar: a já citada Pros Que Estão Em Casa ("bom dia, boa tarde, good night / quero dar um tapa / de topete e cara, /vi nova york internada / meu amor nao deu em nada, / minhas sobrancelhas eriçadas, / e a essa altura do fato, / nem fumaça tem cano de descarga."); Senhora Feliz ("Abram suas alas / À dama do esplendor / Se ouvir um grito / De loucos ao redor / Eles são teus filhos, / Muitos filhos são / Senhora feliz és a mãe de um crime, senhora feliz / Bom e generoso e sorris / Quando esbofeteias e / Ofendes o corpo com os dias"); Passos ("você gosta de se olhar no espelho / você acaricia seu corpo / eu reneguei toda dor / que senti / e sou o ouro / fogo gelado / não consigo / entender meus passos"), todas do primeiro disco, Hojerizah, de 1987, que contava com a famosa imagem da navalha no olho, de Um Cão Andaluz, de Buñuel, e A Lei ("existe um lar que se descobre um mundo / envolve o risco de quem vê o fundo / não é azul / não é azul, sincero só em meu canto / por trás do globo que / reflete o poço / jogo a moeda que lhe pede o troco / recolho a mão que num momento erra / só por um sonho / tiveste naquela chuva / que não deitou / a rua em seu joelho, e acalentou / o pranto que brota intenso / daquele asfalto e colheis / um grão risonho e pleno / não o joio em que regas a lei / em quanto tempo se constrói um mundo /sem cicatrizes que / preservam o impuro / devolve em cor / devolve em cor, me entregue / só o encanto / que seja a face que / não se esgote rumo / a comunhão em que / se veste o culto / a solidão é uma paixão por si / dorme em meu canto / esquece aquela culpa que se lamentou / da curra pelo conceito de estar e se pôr / nas avenidas retas / desgovernado irei / qual a palavra certa? / será aquela que / atropela a lei"); Canção da Torre Mais Alta, já citada, e Avenidas ("Fugir, que a fere segue-te sim / Na névoa lisa e vã / Ocupas um nome / A consumir todo signo / Saliente face / Despe-te ante o vício / Avenidas, andas ao réu / Aveni / Humor descreves / Ao refletir seus pupilos / Hoje: a prece / Amanhã: seu delito / Avenidas, andas ao céu"), do segundo e último disco, Pele, de 1988. Infelizmente os dois discos, excelentes, com arranjo e produção de um refinamento raro, mesmo em dias atuais, nunca foram lançados em CD, restando duas opções para quem quiser ter o Hojerizah em casa: ou recorrer ao acetato, em sebos ou lojas altamente especializadas, ou adquirir a excelente coletânea Hot 20, com praticamente todas as canções dos dois álbuns, lançada em 1999 pela BMG, também fora de catálogo, mas encontrável em lojas especializadas, após procura cuidadosa. Poucas coisas do rock nacional foram realmente fundamentais, mas Hojerizah e Picassos Falsos, sobre quem falarei em outro post, nutriram de poesia o rock brasileiro, com uma qualidade pouco vista até a presente data, podendo ser colocados no mesmo patamar de outros grandes, como Barão Vermelho, Legião Urbana e Gang 90, com a poesia de Cazuza, Renato Russo e Júlio Barroso. Sem esquecer de Arnaldo Baptista, 15 anos antes. E compõem, sem dúvida, o maior momento do Rock Independente nacional, junto com o Fellini e mais quatro ou cinco bandas paulistas.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Até hoje guardo uma compilação que juntava Hojerizah e Picassos, lançado quando a Plug voltou, por volta de 95. O Murrah era sensacional nas letras, principalmente qunado tinha toques de desespero. e é exatamente "A lei" a minha canção favorita deles, bem Stones ;)

12:17 PM  
Anonymous Anônimo said...

Conheci muito bem o Hojerizah. Eles fizeram faculdade onde eu fiz. Uma época - depois de aacabado o Hojerizah - ia formar uma banda com o baaixista. Fui a um show do Hojerizah uma vez e voltei na caçamba junto com o Flávio. Ele ia de mãos abertas e em pé na caçamba e eu me segurando para não cair. Bons tempos!!!!!!!

12:32 PM  
Anonymous Anônimo said...

o Murrah escreveu algumas das melhores canções do rock nacional, amigos. è bom encontrar quem curta o som dos caras. Rodrigo, cara, que inveja!! Murrah foi um grande poeta.

saudações

12:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

"Até bem cedo, esperei pelo telefonema.
O sol que vai nascendo
Não vou tomar café
Nem escovar os dentes
Vou de água ardente"
Bom dia boa tarde
Good Night quer dar um tapa.
Lembro disso muito bem brother, feliz homenagem.
Abraço.

9:34 PM  
Blogger virna said...

celso,
post interessante, mas discordo que hojerizah e picassos falsos inscreveram a poesia (ou literatura) no rock brasileiro. isso já tinha sido feito nos anos 70, por "o peso", p.ex., "em busca do tempo perdido". e nos anos 80, talvez você não goste do cazuza, mas ele inseriu poesia nas letras também. e o detrito federal, que gravou uma música do leminski? e o fellini (já comentado por você no cárcere)?
um beijo,
virna

11:23 AM  
Anonymous Anônimo said...

Virna, não esqueci nenhum destes nomes citados por você. Na verdade, musicar poemas é uma tradição musical brasileira bem anterior a estas bandas. Quando falamos de músicas próprias, concordo que não citar nomes como Cazuza, Renato Russo e Júlio Barroso, além do próprio Arnaldo Baptista, foi um lapso grave. Corrigido junto com a postagem da Parte II.

Valeu o toque.

11:41 AM  

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